quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A Mística e o Voluntário

Quando o Desespero encontrou-se com a Esperança, uma súbita paixão começou a se esgueirar entre um homem e uma mulher que acabavam de se conhecer.  
Ele era carente de afeto e ela frustrada com a sua própria vida. Alvos de uma paixão fulminante, ambos acreditavam terem sido feitos um para o outro. Ele era cético, ela, esotérica. Ele adorava conversar, ela adorava falar. Ele nasceu pobre, feio, e por mais que estudasse e se especializasse, não conseguia emprego, porém era inteligente. Ela, rica, bonita e nunca precisou trabalhar, porém faltava-lhe inteligência. Ela acreditava que haveria outra vida após a morte. Ele, entendia que esta seria a única vida que viveria.  
Ela acordava às 10 horas todos os dias e à noite ia para seu grupo de treinamento paranormal. O poder da mente estava sempre com ela. Dizia preparar-se para um cataclismo profetizado por seres extra-terrestres. Colecionava aforismos, acendia incensos todos os dias e lia sobre Atlântida, Astrologia e a Grande Fraternidade Branca, além de ser adepta da Homeopatia. Acreditava ser um Ser em evolução universal e era vista como uma alma forte em ascensão espiritual pelo seu grupo esotérico. Sempre falava sobre evolução espiritual e tentava levar as pessoas para sua religião.  
Ele, acordava às cinco horas da manhã para trabalhar, quando conseguiu uma ocupação, e só podia dormir novamente à meia-noite. Não possuía bens materiais, tampouco reconhecimento social. Não era respeitado, nem valorizado. Contudo, acreditava em Ética e Força de Vontade. 
Mas, com tantas disparidades pessoais entre o casal, a admiração e a tolerância duraram pouco, cedendo lugar ao desrespeito e à tirania. Com efeito, quando a convivência tornou-se insuportável por conta das diferenças ideológicas, eles resolveram separar-se. 
Para ela, sua passagem para o plano dimensional superior não podia ser comprometida pela baixa vibração áurica de seu companheiro.  
Para ele, a vida era única e não podia ser desperdiçada com superstições e delírios coletivos. 
Envoltos numa atmosfera de desentendimentos, abriram mão da felicidade numa jovial noite de outono. 
Ela estava sempre perfumada e maquiada. Fez pilling, várias plásticas e tatuagens da moda. Todo ano tinha um namorado novo que levava para morar consigo. Viajava frequentemente e comia do bom e do melhor, incluindo carnes. Mas ainda assim sua vida não tinha sentido. 
Ele tornara-se vegetariano, pois abominava o sofrimento dos animais. Amava a natureza e não consumia nada que significasse a degradação do meio-ambiente. Era incompreendido e tomado como louco. Sempre ajudava quando podia. Trabalhou como enfermeiro voluntário na Oceania depois das Tsunamis de 2006, protegendo e cuidando de idosos. Viu pessoas se matando por comida. Passou fome em uma de suas viagens como voluntário e foi baleado durante um conflito religioso. Mas ainda assim sua vida não tinha sentido.  
A Mística teve filhos com outros homens. O Voluntário não tinha ninguém; as mulheres não se interessavam por ele. 
Um dia um homem rico procurou o Voluntário para que participasse da fundação de uma instituição voltada ao amparo do idoso, dada a sua reputação. Aceitou o convite e em pouco tempo já ocupava a posição de presidente. Mesmo assim fazia questão de cuidar diretamente das pessoas amparado-as no que fosse necessário. O Voluntário recebia um salário simbólico. Considerava tudo o que fazia como um gesto altruísta. Contentava-se em ter o que comer e onde dormir desde que pudesse ajudar. 
O tempo passou e todos envelheceram. 
A Mística havia rompido irremediavelmente com sua família; que há tempo a tinha como desequilibrada e doente. Então foi viver numa comunidade esotérica que aguardava pelo fim do mundo, em um Estado distante. Com o passar do tempo, paulatinamente, doou toda a sua herança para referida comunidade como prova de lealdade e confiança, visto que esta a acolhia bem. Fatalmente, quando seu dinheiro acabou, as pessoas já não a viam mais como útil, mas sim como um estorvo. Então, num acesso de fúria, revoltou-se e foi internada num hospital psiquiátrico, sendo lá esquecida dias depois.  
O Voluntário permaneceu na instituição que cuidou durante anos até que sua força e lucidez esvaíssem, a ponto de tornar-se um inválido. Assim, foi colocado num leito coletivo por um grupo de universitários que assumiu a diretoria da fundação. Semanas depois o Voluntário faleceu misteriosamente. 
E desde aquela jovial noite de outono a Mística e o Voluntário nunca mais se viram.

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