sábado, 13 de fevereiro de 2010

Epistemologia com Chiclete

Enquanto eu e a Aline Deaba (Filosofia do Caos) ficamos à deriva numa classe forrada de estudantes de Psicologia do sexo feminino que torcem o nariz para a Filosofia, começamos a redigir um textinho a pedido do Prof., como atividade inaugural da disciplina. Felizmente a Aline é aluna do curso de Filosofia e trabalha muito bem em equipe, além de dominar o tema Epistemologia melhor que eu. Tá aí a obra fenomenal! E no final da aula, prá variar, tem sempre uma tosca prá te chamar de louco e falar abobrinhas, mesmo que ela seja da área da Psicologia e necessariamente beba da fonte da Filosofia. Paciência...


Epistemologia - Atividade 1 - 12/02/2010


Alessandro Locatelli
Aline Silva


1. Qual o significado de Epistemologia?
Bem resumidamente, Epistemologia é o estudo do Conhecimento e suas possibilidades.

Mas aqui também fica uma aproximação semântica do Dicionário Aulete:
1. Fil. Estudo do conhecimento, esp. o conhecimento científico, sua natureza. seu processo de aquisição, seu alcance e seus limites, e das relações entre o objeto do conhecimento e aquele que o busca; a teoria do conhecimento.
2. Estudo sobre o conhecimento científico, seus diferentes métodos, suas teorias e práticas, sua evolução na história e no desenvolvimento das sociedades; teoria da ciência.

O prefixo do termo surge no período clássico da Filosofia, com Platão. Ele procura fazer uma distinção dos tipos de conhecimento possíveis, criando duas categorias: doxa e episteme. O primeiro, é aquele conhecimento superficial, do senso comum, não sistemático, produzido através dos costumes e tradições de um povo, e aceito de forma acrítica. Já o segundo é o conhecimento crítico, conquistado através do pensamento filosófico, que é lógico e sistemático e, portanto, capaz de obter a essências das coisas do mundo - além dele próprio. Em outras palavras, seria o pensamento científico, por ser sistemático e buscado conscientemente pelo sujeito cognoscente.

É claro que, com o desenrolar da história do pensamento, o termo "conhecimento científico" tomou novos moldes, especialmente em virtude do advento da ciência moderna com Galileu Galilei, Isaac Newton, Francis Bacon e René Descartes. Hoje, o que entende-se como sendo ciência é muito diferente do conceito grego. Temos um saber científico sistematizado, com princípios próprios, embasados principalmente em três pilares: o método, a demonstração e a previsão. É um saber pragmático e imanentista, visto que seu objeto de estudo é material e objetivo, e visa-se sua aplicação direta em uma tecnologia que, de alguma forma, influenciará no dia-a-dia da sociedade.

É interessante notar que, classicamente, episteme tenha significado uma "verdade absoluta", uma "certeza das coisas", e posteriormente o termo epistemologia venha a designar o estudo das ciências. Em todo o decorrer do Modernismo temos uma crença absoluta na ciência, e em sua capacidade de atingir a verdade - crença consolidada no século XIX, com o positivismo. Assim, episteme se confunde com verdade absoluta, que se confunde com ciência, e temos um cenário histórico, do qual ainda tentamos nos livrar, onde a ciência (entendida como as ciências da natureza, química, biologia e, principalmente, a física) é tida como a única capaz de atingir uma verdade incontestável, e o cientista como aquele homem completamente imparcial, livre de ideologias ou qualquer outro fator interno ou externo que venha a influenciar no resultado de suas pesquisas.

2. Qual a relação da Epistemologia com a Filosofia?

A relação da epistemologia para com a filosofia é íntima, visto que encontrar meio para que o conhecimento se processe evitando o erro e promovendo o acerto são objetivos de interesse comum entre ambas as áreas. Assim sendo, é comum que a epistemologia tenha a si própria como objeto de estudo. Isto é, o conhecimento desdobra-se sobre si mesmo para conhecer as suas possibilidades de manifestação, de acordo com os métodos estabelecidos por estudos anteriores. Deste modo a epistemologia apresenta-se como ceticismo metódico, pois questiona os viéses pelos quais o conhecimento se apresenta como certo.

Para que o conhecimento se forme, é necessário, no mínimo, duas "informações" válidas (teses) e uma conclusão (síntese). Esta última é o produto dialético da interação, no mínimo lógica, entre as partes informativas, originando assim o conhecimento. Contudo, o conhecimento formado por tal processo torna-se Informação componente para futuras construções epistemológicas. E assim cria-se uma cadeia de conhecimentos interrelacionados que, por sua vez, originam outras informações de suporte para novos conhecimentos.

A filosofia tem por essência buscar "universalidades" na realidade em prol da criação de conceitos e da sistematização dos mesmos de modo que estes conceitos e sistemas se prestem à criação de orientadores epistemológicos para áreas de conhecimento adjacentes.
A. Crocco afirma que os universais são "categorias lógico-linguísticas válidas que fazem a mediação entre o mundo do pensamento e o mundo do ser".

No entanto, para que a produção de conhecimento ocorra, faz-se necessário o uso de um código - língua - para que ele assuma o seu caráter informativo e epistemológico. Do contrário, a "verdade" apreendida pelo sujeito cognoscente permaneceria privatizada no próprio sujeito e, com efeito, não recebendo o status de conhecimento por não se tornar "comum" aos campos de atividade filosófico-científicos atualmente dispostos. Portanto, sem uma concatenação comparativa dos elementos cognoscitivos estudados não se pode alegar uma conclusão confiável.

Porém, é importante lembrar que pelo viés contemporâneo, as conclusões científicas não são absolutas como antes acreditava-se. A subjetividade se faz presente em todas as áreas do conhecimento e sempre será um fator limitante para o sujeito cognoscente. Foucault, inclusive, afirma que a única coisa que podemos apreender sobre o mundo é o discurso que fazemos sobre o mesmo e tudo o que nele se insere. Em outras palavras, só me é permitido conhecer aquilo que eu acho que vejo, sinto, pego, etc.

Com isso, temos um movimento interessante. Enquanto que os filósofos antigos dividiram o conhecimento entre doxa e episteme, querendo fugir do primeiro (a opinião, o "achismo"), os pensadores contemporâneos afirmam que a única coisa que é possível que conheçamos é a doxa, o meu "achismo" - inclusive não é possível conhecer o "achismo" alheio, e apenas meu "achismo" sobre o "achismo" alheio.

Assim sendo, na área da Filosofia da Ciência temos uma crise acerca do estudo do saber e fazer científico, onde ele perdeu seu estatuto de nascença, e os epistemólgos tentam reformular o entendimento sobre este conhecimento, de modo a contextualizá-lo no viés dos paradigmas contemporâneos.

Um último ponto a se considerar sobre a relação da epistemologia com a filosofia, é a importância da ciência pensar-se a si mesma, colocar um olhar consciente e crítico sobre a sua própria prática. Tradicionalmente, ela não faz isso e, como afirma Edgar Morin no livro "Ciência com Consciência", faz algo muito pior que é conferir a si própria o estatuto de detentora da verdade. Ela não dialoga com outras áreas para pensar a sua prática, tomando um posicionamento arrogante e elitista acerca do conhecimento que produz. Em outras palavras, ela tem um método bastante rígido para conferir o selo de verdadeiro ou falso para seu objeto de estudo - o mundo - mas não há um método científico para mostrar que a ciência é capaz de tal ação - e nem seria possível havê-lo.

É cientificamente inviável que a ciência valide a si mesma. Seria o mesmo argumento inconsistente de, por exemplo a Bíblia validar-se a si mesma. É preciso que um olhar crítico externo faça isso.

Este é o papel da epistemologia que, com olhos filosóficos, pode enxergar e apontar as limitações diversas da construção científica, o que acaba fazendo com que nós próprios a olhemos de forma mais consciente.

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