domingo, 22 de novembro de 2009

O Jardim Sensorial

Desde minha infância eu sentia a presença de algo extraordinário emanando de algum lugar que, muitas vezes, acreditei estar dentro de mim. Eu não podia ver, mas podia sentir e até mesmo reconhecer o que acontecia comigo em imagens fantásticas virtualmente criadas por artistas atuais.



Por mais ridículo que este sentimento do extraordinário, esta percepção do fantástico presente parecesse com o passar dos anos, minha intuição se intensificava apontando para aquilo que eu acreditava ser a fenda para um mundo fabuloso. Eu sentia que, do ''lado de fora'' havia um outro mundo que se manifestava como o avesso de mim mesmo. Em outras palavras, eu era a manifestação antropomorfica de uma realidade composta de cheiros, sabores, sentimentos e percepções jamais experimentadas por outra pessoa.
A fenda estava alí, sempre junto de mim, porém inalcançável, indesvelável até mesmo para mim, mas, ainda assim, parte de mim e à espera de um sobressalto da comum existência para permitir a transcedência do Eu lacrado pela identidade rumo à liberdade infinita de mundos em construção.
Por vezes imaginei que mais pessoas poderiam estar transitando pela mesma frenquência desta coisa inefável que me tocou por tantos anos. Haveria uma ponte comum?
As lembranças mais antigas e misteriosas que tenho são as de sonhos ainda em preto e branco que, em muito, me lembrava as primeiras pinturas de René Magritte. Lembro-me sempre dos mesmos elementos estéticos que compunham tais sonhos, todos muito singelos, porém muito marcantes e carregados de mistério: a Lua, o céu sempre noturno, navios, aviões, carros antigos e paixões inocentes.


Já na infância eu detinha o sinal da vida incompreendida que eu levaria; sem desenvolver o gosto por festas, alcoóis e futilidades, desenvolvi apreço pelo silêncio e uma forte tendência à reclusão. Estes faziam-se o interstício entre o mundo lógico, improvável e mecanicamente desprovido de sentido e a percepção de uma realidade extraordinária que fagulhava por detrás de meus olhos.
Um peixe fora d'água... tanta beleza formando um oculto jardim sensorial, emanado para dentro de mim através de uma brecha invisível que jamais poderá ser entendida ou sentida por outrem por vias racionais, a não ser que, do lado de lá, do lado de fora, naquele mundo fantástico, alguém ou algo crie uma ponte atravéz da qual, pela mesma brecha, outros possam realizar a fantástica travessia para o Extraordinário.

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